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quinta-feira, 10 de março de 2016

PESQUISA APONTA QUE PARA DESCONSTRUIR MACHISMO HISTÓRICO NO ES É PRECISO PROMOVER POLÍTICAS PÚBLICAS PARA OS HOMENS


Déborah Nicchio Sathler
Déborah Sathler, é pesquisadora de gênero, jornalista, pós-graduada em comunicação e mestranda em Ciências Humanas pela UNIGRANRIO.


Os índices alarmantes de feminicídio no Espírito Santo, que ocupa o segundo lugar em violência contra a mulher no Brasil, motivaram a realização de uma pesquisa desenvolvida pela pesquisadora de gênero e jornalista capixaba, Déborah Sathler, da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO), no Rio de Janeiro. Que contou com apoio de doutores da área de educação, formados na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e da área de história ligados ao NEHO- USP (Núcleo de Estudos em História Oral), da Universidade de São Paulo. 
A pesquisa aponta questões históricas e que as políticas públicas de prevenção à violência contra a mulher, devem ser direcionadas para os homens, “O Espírito Santo é um estado com especificidades, as mulheres capixabas possuem um histórico de enfrentamento desta construção cultural que é o machismo, do ser masculino como superior. Somos ocidentais, regidos por valores judaico-cristãos, onde a mulher deve ser submissa para o bem do lar, que o homem é o cabeça, a mente pensante, o chefe, o poder. Infelizmente isso ainda vigora nos dias de hoje. É preciso criarmos uma cultura que difunda novos valores. E que este assunto possa ser debatido nas escolas, nas associações, nas campanhas, nos sindicatos e nos ambientes culturais”, fala.
“O novo feminismo inclui as políticas da masculinidade. Países como a Austrália já possui o movimentoHomens contra a Agressão Sexual, outro exemplo é a campanha publicitária intitulada Like a girl, que escutava o que os meninos achavam das meninas nas escolas e que foi ao ar nos Estados Unidos. O vídeo virou um fenômeno com milhões de visualizações. A série de fotos, Strong is the new pretty, da fotógrafa americana Kate Parker, questionou os padrões de comportamento e valores impostos pelos meninos para as meninas. Precisamos questionar isso. As violências física e sexual são ações competentes, propositadas e tem como objetivo a manutenção da supremacia masculina. São duas pontas, precisamos nos antecipar com uma nova educação para que o homem não venha agredir sua mulher, mãe ou irmã. E a outra é trabalhar com homens violentos, no sentido que eles assumam a responsabilidade por suas ações. A auto-responsabilização dos seus atos com oficinas, palestras e depoimentos públicos, assim como os infratores à vida no trânsito fazem na Lei Seca, por exemplo. O machismo mata. Se não envolvermos os homens no debate, se não educarmos e promovermos políticas públicas para os meninos, vamos ficar enxugando gelo”, fala a pesquisadora.
A pesquisa “Corações Valentes: perspectivas históricas e a luta das mulheres capixabas contra as violências simbólica, física, sexual e o machismo que mata", será apresentada durante a abertura do X Fórum Estadual de Políticas Públicas para Mulher Vítima de Violência Doméstica e Familiar, que acontece no dia 17 de março, às 14 horas, no Plenário Dirceu Cardoso, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo. O evento é promovido pela Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Mulher e é aberto ao público. O objetivo é debater de forma coletiva e envolver diversos setores. O estudo será cedido para a subsecretaria de Estado de Políticas para as Mulheres. A pesquisadora está realizando parcerias para oferecer gratuitamente palestras em ambientes públicos e privados.
Além das questões jurídicas e medidas de segurança, é preciso compreender e formular junto com a sociedade que construiu esse processo social, saídas para este fenômeno social complexo. O grupo de pesquisadores da UNIGRANRIO, pretende realizar um estudo no Espírito Santo, estado líder em feminicídios no Brasil. A pesquisa de campo, vai colher narrativas de mulheres agredidas e homens agressores. Da cultura de “pistolagem” o Espírito Santo migrou para o feminícídio. “Por aquelas que infelizmente foram caladas nos resta ouvi-las, mesmo que no silêncio, para lutar por uma nova história para as mulheres e para a sociedade capixaba”.
Não é possível falar de gênero sem falar das relações de poder. história das mulheres capixabas traz à tona a herança do patriarcado (colonialismo- coronelismo), que enfrentamos até hoje. E de enfrentamento da construção cultural que é o machismo, do ser masculino como superior. Apontamos no estudo, as construções sociais hierárquicas sobre os papéis das mulheres e dos homens há mais de 450 anos. Desde quando Luiza Grimaldi, esposa do segundo donatário da capitania hereditária do Espírito Santo, Vasco Fernandes Coutinho Filho, foi destituída do cargo por ser mulher. Não aceitavam o fato dela não ter tido filhos homens, os verdadeiros herdeiros das terras. Luiza foi a primeira e única mulher a liderar uma capitania hereditária no Brasil. Mais de um século depois, a jovem Maria Ortiz, a primeira heroína brasileira, protegeu a ilha de Vitórialiderando sua comunidade na luta contra os holandeses fortemente armados. O seu ato heroico, em proteger a ilha e seu país, foi retribuído com uma coroa de margaridas em meio a uma sessão solene com discursos e aclamações dirigidas ao seu pai e o rei Felipe II. O que não era comum nas recompensas de guerras entre os homens que recebiam títulos de terras, nomeações e cargos públicos. Vitória nunca foi tomada por nenhum inimigo, desde a sua fundação em 1551, devido às lutas de duas mulheres, Luiza Grimaldi e Maria Ortiz.É um engano acreditar que as conquistas acontecem de forma natural, não podemos invisibilizar as lutas e os conflitos, que produziram arranjos e desarranjos nas relações de gênero. É preciso reconhecer as mulheres como sujeitos históricos e reafirmar isso faz parte do empoderamento feminino”, relatou.
Em 1690 foi a vez da princesa africana da nação de Cabinda, Zacimba Gaba, negra e escravizada, lutar contra a hegemonia masculina materializada em violências físicas e abusos sexuais. Ela liderou o movimento de libertação dos escravos no porto de São Mateus e fundou um quilombo no norte do estadoJá nas décadas de 40 e 50, duas mulheres, Maria Tomba Homem e Aurora Gorda, passaram a comandar os principais bordéis de Vitória. Maria e Aurora, tinham em comum, segredos de políticos e empresários. E traçaram suas histórias em meio às lutas, conflitos e o uso da agressividade como “arma” legítima contra o preconceito. Elas surgem numdesaponte a ideologia vitoriana da mulher no lar. Essas mulheres não ligariam suas práticas à manutenção do papel tradicional das mulheres, pelo contrário, imprimiam um tom de enfrentamento ao poder masculino. E olha que estamos falando de um estado que cultua o sagrado feminino. Que tem como a padroeira dos católicos uma santa. E possui as cores de sua bandeira, o azul/rosa, que refletem a codificação simbólica da oposição binária menino/menina e homem/mulher. Cores cultuadas em nossa sociedade ocidental desde a infância. As histórias destas cinco mulheres configuram matrizes de memórias femininas. Além do gênero, fizemos recortes de classe e etnia. Os diálogos em ambos os tempos, da história e do tempo presente, são marcados pelos efeitos do patriarcado, do machismo, do androcentrismo e da misoginia”, concluiu.

Mais apontamentos históricos da pesquisa
·         O jesuíta José de Anchieta, canonizado em 2014, era aliado de Luiza Grimaldi, por suas benfeitorias à Igreja e a Companhia de Jesus. Durante a governança da “Capitoa”, navios comandados pelo pirata inglês Thomas Cavendish tentaram invadir as terras do Espírito Santo, mas não obtiveram sucesso pois os navios engavetaram na baía de Vitória, fruto de uma estratégia comandada por Luiza Grimaldi.

·         Maria Ortiz possuía 21 anos quando lutou com os holandeses comandados por Piet Hein, na libertação da ilha de Vitória. E assim, como a camponesa Joana D'Arc, a libertária francesa que morreu aos 19 anos em 1431, na luta pela libertação de seu país, Maria usava cabelos curtos e calças, o que desagradava seu pai, o patriarca espanhol Juan Orty Y Ortiz.

·         A princesa africana Zacimba Gaba não se conformava com as atrocidades e abusos cometidos contra mulheres e homens negrosDurante anos, Zacimba Gaba, sofreu os mais humilhantes e infames castigos, sendo violentada física e sexualmente pelo fazendeiro português José Trancoso. Ele acabou sendo envenenado por ela com o “pó para amansar senhor”, feito da cabeça moída e torrada da cobra preguiçosa. Com a morte do senhor, Zacimba liderou o movimento de libertação dos negros e fundou o quilombo Zacimba Gaba.

·         Maria Tomba Homem era uma negra capixaba, cafetina, tendo enfrentado com a sua força física, os aparelhos masculinos de poder do Estado (política e polícia) para manter o funcionamento do seu bordel, em meados de 1940, no bairro da Ilha do Príncipe. Seu nome era em decorrência de sua fama de derrubar os homens e arruaceiros, levando-os ao chão. Nos anos 50, Aurora Gorda, branca, analfabeta e dona de um prostíbulo localizado no subúrbio de Vitória, no bairro Caratoíra, marcaria a história com seus fartos seios, lugar do corpo onde escondia um revólver. Aurora não confiava nos homens, nem nos da elite capixaba que circulavam pelo seu bordel e nem nos seus próprios seguranças. Aurora morreu sem conseguir realizar o seu maior sonho, adentrar na sociedade capixaba.

·         As cinco “vozes diferentes” que a pesquisa nos permitiu ouvir, nos revela a epistemologia da cultura machista, que possui raízes históricas na cultura do patriarcado manifestado através do imperialismo europeu; na dizimação da cultura indigenista; no colonialismo escravista; na negação do heroísmo feminino como estratégia do agente dominador; e na falta de políticas que visam uma correção da visão masculina na sociedade.

Dados
Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2014)
Depois de 13 anos o ES deixou de figurar no lugar mais alto do ranking de feminicídio. Passando a ocupar o 2 º lugar, atrás de Roraima.

Dados da SESP/ES
Nos últimos 30 anos o ES apresentou crescimento contínuo dos índices de violência de gênero. Atingindo em 2009 o mais alto patamar da série histórica, a cada 2 dias uma mulher era vítima de feminicídio no ES. Em 2015, foram 35 mortes para cada grupo de cem mil habitantes. Em 2016 dados acumulados do primeiro bimestre apontam redução de 68% em relação ao ano de 2015.

Segundo dados do estudo “Violência contra a mulher: feminicídios no Brasil”, divulgado em 2013 pelo Ipea- Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
A taxa corrigida de feminicídios no Brasil foi de 5,82 óbitos por 100 mil mulheres, no período 2009 a 2011. As regiões Nordeste, Centro-Oeste e Norte apresentaram as taxas de feminicídios mais elevadas, e o estado com a maior taxa no país foi o Espírito Santo com 11,24%, o dobro da média nacional. O estudo concluiu que as diferenças regionais observadas, podem representar padrões diferentes dos feminicídios, relacionados com a aceitação cultural da violência contra a mulher e sua ocorrência, 54% dos óbitos foram de mulheres de 20 a 39 anos, 61% dos óbitos foram de mulheres negras, 50% dos feminicídios envolveram o uso de armas de fogo e 29% dos feminicídios ocorreram no domicílio. Entendendo como feminicídios, mortes de mulheres decorrentes de conflitos de gênero, ou seja, pelo fato de serem mulheres, e que a violência contra a mulher compreende uma ampla gama de atos, desde a agressão verbal e outras formas de abuso emocional, até a violência física ou sexual.

Contato: Déborah SathlerContato: (21)99580-4780 e (27) 3225-0602 deborahsathler@gmail.com



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